sábado, 1 de junho de 2013

MEMÓRIA QUE NÃO SE DESGASTA


Poema, de autoria de nosso confrade Sérgio Caponi, que 
será por ele lido na proxima sessão do dia de junho, na 
Academia Campinense de Letras. 


AUSCHWITZ - BIRKENAU

Sérgio Caponi


Qual a vazão nominal da chaminé?
E no campo todo, quanta dor pode caber?
Quanto medo?
Quanto desespero pode ser contido nas paredes das câmaras?
Dois mil corpos por dia: quem alimentará os fornos?
Quantas latas de Ziklon B serão necessárias?

Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...

Quantos pijamas listrados serão esvaziados?
Quantos fios de cabelos serão contados?
E do ouro dos dentes, quantas quilos serão apurados?

Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...

Quem preservará o tifo de toda cura?
Quem cuidará da sobrevivência dos piolhos?
Quanta casca de batata se poderá tirar de cada prato de sopa?

Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...

O ambulatório pede gêmeos para pesquisa.
O ambulatório tem pressa...
Precisa-se de gêmeos idênticos urgentemente.

Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...

Na boca dos vagões o trem regurgita multidões.
Um oficial narigudo morde a fila:
- Direita;
- Esquerda.

Os cães ladram teutônicos.
Pastores germânicos para o gado que chega.
Eficiência canina para uma corrente de sombras.
Disciplina!
Disciplina!
E a carabina aponta para um choro de criança.

Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...

A locomotiva, desesperada, fuma e grita ao lado da chaminé.
Há música no ar:
O trabalho liberta.
A morte liberta.
A luz do holofote liberta.

Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...
Um corpo e um quarto por minuto...

Já basta!
Não corra para garantir cama no alojamento.
Não corra para garantir sapato herdado na pilha.
Não corra para o banho.
Não há banho!
Vá devagar.
Vá sem pressa.
Pise descalço a neve sem ranger os dentes.
Não busque relógio na torre.
Não há relógios.
Não ouça o telefone que toca com ordens do comandante.
Não veja o cão com o osso novo na boca.
Não escute o piano nem o tambor.
Não veja caixão no avião que zumbe.
Não preste atenção nas aves do céu nem nas luvas de couro dos guardas.
Não busque caminhos nas farpas nem nos fios eletrificados das cercas.
Não se oriente.
Não há mais norte, nem há mais sul, nem leste e nem oeste.
Não busque, tétrico, as estrelas do céu,
Nem a lua,
Nem o sol,
Nem as árvores de lá fora,
Nem o lá fora,
Nem o dentro,
Nem o certo,
Nem o errado,
Nem o antes,
Nem o depois,
Nem o bom,
Nem o mau,
Que enquanto houver lembrança de pecado,
E tinta para borrar a História,
Não haverá mais céu  nem inferno que baste,
Nem futuro, nem passado,
E nem, mesmo, memória alguma que se desgaste.


 ==============================================

Um comentário:

  1. Parabéns,meu amigo.
    Estes versos pungentes expressam o nosso espanto ante a crueldade humana, a náusea diante desse capítulo tão sórdido daquilo que chamamos de História da Civilização. Civilização?

    ResponderExcluir